Entrevista exclusiva: Sidney Gusman fala sobre Graphic MSP e o universo dos quadrinhos

                 


Sidney Gusman é uma das figuras mais influentes do universo dos quadrinhos no Brasil. Jornalista, editor e curador, ele é conhecido por sua dedicação em levar a arte das histórias em quadrinhos para novos patamares e públicos, especialmente por meio do projeto Graphic MSP, que convida artistas a reinterpretar os personagens da Turma da Mônica com estilos autorais e narrativas inovadoras.

Nesta entrevista exclusiva para o Quintal do Nerd, Sidney compartilha um pouco de sua trajetória, fala sobre os bastidores da Graphic MSP, comenta o panorama atual dos quadrinhos nacionais e revela suas perspectivas para o futuro da nona arte no Brasil.

Quintal do Nerd - Sidney, como começou sua relação com os quadrinhos? Houve alguma obra ou momento marcante que te despertou para esse universo?

Sidney Gusman - Meu começo nos quadrinhos foi como o de todo mundo: como leitor. Eu era fã de quadrinhos. Comecei lendo Dsiney e Turma da Mônica e, depois, uma edição do Quarteto Fantástico, do Jack Kirby e do Stan Lee, me despertou para ler quadrinhos de super-heróis, que eu colecionei por muito tempo.

Depois, comecei a explorar outras obras, como Asterix e Tintim. Eu era só um leitor e nunca imaginei que meu hobby pudesse, um dia, se tornar meu ganha-pão — o que aconteceu quando comecei a escrever sobre quadrinhos.

Quintal do Nerd - Você iniciou sua carreira como jornalista. Como foi a transição do jornalismo cultural para o trabalho editorial com quadrinhos?

Sidney Gusman -Eu comecei a escrever sobre quadrinhos e revistas em 1990. Em 1991, já estava trabalhando na Editora Globo, onde era redator. Mesmo assim, continuava com minha atividade como jornalista, escrevendo para vários veículos — jornais e revistas.

Só que, quando fui para a MSP (Mauricio de Sousa Produções) em 2006, aí sim, não dava mais pra conciliar, pois estava na maior produtora de quadrinhos do Brasil. Tive que escolher.

O lado jornalístico, no entanto, permanece sempre, com resenhas, análises e entrevistas. Mas o lance de ficar cobrindo notícias do mercado, fazendo hard news, não dava mais.

Foi uma transição extremamente natural, porque trabalhar como editor exige também conhecimento jornalístico e de edição.

Quintal do Nerd - O projeto Graphic MSP revolucionou o modo como vemos os personagens da Turma da Mônica. Como surgiu a ideia de convidar autores para essas releituras autorais?

Sidney Gusman - O projeto das Graphic MSP começou de uma maneira curiosa. Eu tinha visto os álbuns do Spirou de, na Europa. Nessa série, o personagem é reinterpretado por vários autores — um autor faz uma versão, outro faz outra, e assim por diante. Também já tinha visto, na Itália, o Diabolik visto da lontano (“visto de longe”), feito por outros autores.

Aquilo me fez pensar: “Poxa, isso é sensacional!”. Primeiro, eu lancei os três MSP 50 e, depois, Ouro da Casa, com releituras. Ali, eu pavimentei o caminho e mostrei que era possível que os personagens fossem reinterpretados e, ainda assim, mantivessem uma identificação visual simples.

Aí veio o projeto Graphic MSP, que, desde 2012, é um sucesso estrondoso de público e crítica — já são mais de um milhão de exemplares vendidos! É, possivelmente, o selo brasileiro de quadrinhos de maior sucesso de todos os tempos.


Quintal do Nerd - Na curadoria das Graphic MSP, o que você busca ao escolher os artistas? Existe algum critério que considera essencial?

Sidney Gusman - Existem vários critérios que eu considero essenciais. Primeiro, é ser um bom contador de histórias, um bom quadrinista. Eu sempre digo isso: ninguém estreia numa Graphic MSP. “Ah, eu tenho uma ideia pra uma Graphic...” — “O que você já publicou?” — “Nada.”
Não vai rolar, gente. Desculpa, mas não vai rolar. Não tem a menor chance.

Então, eu fico muito de olho no mercado independente. Quando eu leio um quadrinho e penso “pô, esse aqui tem uma pegada que pode funcionar para aquele personagem”, aí sim eu começo a considerar. Eu é que escolho os personagens para cada autor.

Por isso, acompanho muitas obras de cada um. Leio tanto material independente justamente por isso.

E o que mais é preciso? Além de ser um bom contador de histórias e um bom quadrinista, é fundamental gostar da Turma da Mônica, gostar dos personagens do Mauricio — e gostar do próprio Mauricio! Porque não faz sentido chamar alguém que não gosta dele ou que não curte os personagens, né? Não teria sentido algum.

Quintal do Nerd - Já são muitos títulos lançados. Qual foi o maior desafio até aqui na construção dessa coleção?

Sidney Gusman - Acho que o maior desafio da coleção é justamente levar para um público jovem-adulto a essência dos personagens do Mauricio, mostrando que eles podem ser trabalhados para outras faixas etárias, com outro grau de entendimento e outras abordagens de histórias.

A gente pode “aumentar o volume”, como diz o Danilo Beyruth em Astronauta: Magnetar. Então, o principal desafio era esse — e hoje em dia é manter o sucesso.

Porque agora a gente já tem até personagens secundários e até terciários que ganharam Graphics MSP, e todas com muito sucesso. Eu não tenho nenhuma Graphic que nunca tenha sido reimpressa.

E isso, para um selo que já tem quarenta e seis edições, pô... é sensacional.

                                           

Quintal do Nerd - Como você enxerga o momento atual dos quadrinhos brasileiros? Há espaço real para crescer mais?

Sidney Gusman - Eu digo há alguns anos que o Brasil nunca viveu um momento melhor do que esse para os quadrinhos. A gente tem muita gente produzindo quadrinho bom no país.

Mas aí vem a pergunta: “Pô, então o que está faltando?”
Estão faltando maneiras de escoar essa produção. Está faltando a gente ter mais bancas — embora isso já seja difícil, porque quase ninguém produz mais para banca — e mais livrarias para expor os trabalhos.

Faltam também mais editoras publicando esses autores e autoras. Hoje, a gente tem as plataformas de financiamento coletivo, o que é ótimo, mas só elas não bastam. Os autores independentes não conseguem estar em eventos todo mês — participar de um evento por mês é caro para quem está produzindo de forma independente.

E falta ainda as editoras começarem a pagar para produzir, e não apenas fazer adiantamento de royalties. É importante que as pessoas entendam isso: o ideal é que o autor receba para produzir e, depois, tenha também a sua porcentagem nos royalties.

Quintal do Nerd - Você acredita que os quadrinhos vêm ganhando o reconhecimento que merecem como forma de arte e literatura?

Sidney Gusman - Eu acho, sim, que existe espaço para crescer. Com certeza, ainda há muito espaço para crescer. E vejo, cada vez mais, o reconhecimento do mercado de quadrinhos.

Hoje nós temos eventos, temos teses de doutorado sobre o tema… só que isso não impede que um idiota qualquer faça um vídeo — porque é um “global” — falando mal de quadrinhos.

Por isso eu sempre digo: nunca, atenção, nunca vai acabar a missão de quem gosta de quadrinhos de mostrar que eles não são só coisas de criança. Ou melhor dizendo: também são de criança, assim como o cinema.

Tem quadrinho infantil, erótico, pornográfico, de aventura, de ação… de tudo! Mas sempre aparece algum Zé Ruela pra dizer “ah, isso aí é gibizinho, coisa de criança”. Tolice. Isso é uma grande tolice.

Existem quadrinhos para todas as idades, todos os gêneros, todos os bolsos — e que falam, sim, com todos os públicos.

Quintal do Nerd - Qual foi uma das reações mais marcantes que você recebeu do público ou de um autor ao longo da sua trajetória?

Sidney Gusman - Olha, ao longo de trinta e cinco anos trabalhando com quadrinhos, já recebi coisas incríveis. Por exemplo, pessoas que decidiram fazer jornalismo por minha causa, que se inspiraram no meu trabalho, outros que agora querem ser editores... e muitas, mas muitas manifestações de carinho de leitores e leitoras do Brasil inteiro.

Vou falar de uma em especial. Foi no FIQ de 2022, quando a gente ainda estava começando a sair da pandemia. Uma leitora esperou até que eu ficasse sozinho e, quando chegou a vez dela, me disse que o meu trabalho nesse selo tinha impedido que ela tirasse a própria vida em algumas ocasiões.

Eu só consegui dar um abraço nela. Choramos os dois. E eu disse: “Que bom que você está aqui com a gente, que bom que você não tomou essa decisão.” Eu nem sabia direito o que dizer.

Mas é pra ver como o nosso trabalho acaba tocando as pessoas de maneiras que a gente nunca imagina. Acho que essa foi, sem dúvida, a experiência mais marcante de todas — e eu a carrego com muito carinho, porque ela continua conosco.

Quintal do Nerd - Existe alguma Graphic MSP que você ainda sonha em publicar, mas que por algum motivo ainda não aconteceu?

Sidney Gusman - Então… a Graphic MSP que eu sonho lançar, evidentemente, não vou contar aqui, né? (risos). Eu nunca adianto meus planos das Graphics MSP, guardo esses segredos a sete chaves.

Mas sempre tem alguma coisa que eu gostaria de fazer e que ainda não rolou. Só que sou um cara persistente, eu diria. Então, sempre existe uma chance. Às vezes, alguém fala: “Ah, mas e aquele personagem?” — e eu lembro que a gente só lança quatro Graphics por ano.

E todo mundo quer continuação das que já saíram! Ou seja, é impossível agradar todo mundo. Não tem jeito.

Mas eu sigo ali, pacientemente, com o meu objetivo principal: oferecer bons quadrinhos para todo mundo.

A gente pode gostar mais desta ou daquela história, mais desse ou daquele gênero — mas o importante é que seja um bom quadrinho, sólido.

E isso, eu posso dizer com muito orgulho: a coleção é belíssima.

Quintal do Nerd - O que podemos esperar do futuro da Graphic MSP e dos seus projetos pessoais nos próximos anos?

Sidney Gusman - Bom, sobre as Graphics… o que esperar?  Eu espero que a gente continue tendo ótimas histórias pra serem contadas. Ainda tem muita coisa bacana vindo por aí.

Este ano mesmo, pro aniversário do Mauricio, saiu o MSP 90, um livro com noventa autores, nos moldes do MSP 50, pra comemorar os noventa anos do pai da Turma da Mônica. É ser um presentão, e foi lançado em outubro.

Reunimos talentos do Brasil inteiro, de diversos gêneros, estilos de quadrinho, etnias e orientações sexuais. O livro está muito plural — e, especialmente, muito legal.

Tem quadrinhos que fazem chorar, outros que fazem rir e alguns que dão aquele quentinho no coração.  Certamente, o pessoal vai adorar.

E, no aspecto pessoal, bom… eu continuo firme e forte com o Confins do Universo, o podcast do Universo HQ.

E este ano eu faço a minha estreia como autor: vou lançar o meu próprio quadrinho na CCXP! Chama-se Domingos, foi lindamente desenhado pelo Jefferson Costa e está em pré-venda pela Pipoca & Nanquim. Inclusive, ficou por três dias como o segundo livro (com concorrentes de todas as categorias) mais vendidos na Amazon.


Sobre o que é a história? Seguinte: meu pai chamava-se Domingos Gusman Gimenez. Ele nasceu e morreu num domingo. Pouca gente sabe, mas meu nome completo é Sidney Domingos.

Então, decidi contar, em quadrinhos, as histórias de diversos domingos que vivi ao lado do meu pai. Uns alegres, outros nem tanto. Uns corriqueiros, outros marcantes. Mas todos foram certamente especiais, tecendo a história de uma típica família brasileira, com seus altos e baixos, encontros e perdas, erros e acertos, e, acima de tudo, muito amor.

Pra completar minha alegria, a edição (formato grande, 204 páginas coloridas e capa dura), tem posfácio do português Filipe Melo, autor de Balada para Sophie, e um texto de quarta capa assinado pelo Paco Roca, de Rugas, A casa e O abismo do esquecimento.

Eu não poderia estar mais feliz com essa estreia. O quadrinho ficou uma beleza, e terá um evento de lançamento antes da CCXP, na Comic Boom (Rua Coelho Lisboa, 366 - Tatuapé), no dia 30 de novembro, que, claro, cai num domingo.

Então é isso: aos cinquenta e nove anos, vem aí uma nova skin do Sidão — a de autor de quadrinhos.

Espero ter ajudado vocês, e qualquer dúvida, é só chamar. Um abraço!

Agradecemos imensamente ao Sidney Gusman por compartilhar suas experiências, insights e visões sobre o universo dos quadrinhos. Sua trajetória e dedicação a Graphic MSP mostram não apenas a força da criatividade brasileira, mas também como é possível inovar respeitando tradições e personagens queridos por gerações.

Esperamos que esta entrevista inspire leitores, artistas e fãs de quadrinhos a valorizar ainda mais essa arte e a acompanhar de perto os próximos passos de Sidney e de seus projetos.





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