Fantasmagorie: A Obra que Deu Vida ao Primeiro Desenho Animado da História


Em 17 de agosto de 1908, em um pequeno cinema de Paris, o público presenciava algo completamente novo: uma sucessão de desenhos em movimento que pareciam ganhar vida diante de seus olhos. Era o curta-metragem Fantasmagorie, criado por Émile Cohl, e considerado hoje o primeiro desenho animado da história do cinema.

Curto, experimental e totalmente inovador, o filme de pouco mais de dois minutos não só abriu caminho para o nascimento da animação como arte, mas também plantou as sementes do que décadas mais tarde se transformaria em uma das indústrias culturais mais poderosas do mundo.

Quem foi Émile Cohl?

Antes de se tornar o "pai da animação", Émile Cohl já era conhecido em Paris como caricaturista, roteirista e artista gráfico. Nascido em 1857, ele participou ativamente do movimento das caricaturas políticas francesas, que misturava humor, crítica social e experimentação visual.

Influenciado pelos espetáculos de lanternas mágicas — projeções de imagens pintadas em vidro, muito populares no século XIX —, Cohl começou a pensar em como poderia dar movimento aos desenhos. Em uma época em que o cinema ainda engatinhava, essa ideia soava ousada. Foi assim que surgiu Fantasmagorie.

Arte de Sfaira


Como foi feito o primeiro desenho animado

A técnica empregada por Cohl foi revolucionária para a época. Ele desenhou aproximadamente 700 imagens em papel, uma a uma, que foram fotografadas e exibidas em sequência. O resultado foi um fluxo de formas que se transformavam sem parar.

A escolha do fundo preto e das linhas brancas não foi apenas estética, mas também prática. Para alcançar esse efeito, Cohl filmou os desenhos em papel branco e depois fez um processo de inversão negativa do filme, criando a ilusão de traços luminosos sobre fundo escuro. Essa decisão deu ao curta sua aparência mágica e etérea, quase como se fosse um sonho.

O que acontece em Fantasmagorie?

Diferente das narrativas lineares que viriam depois, o curta é mais próximo de uma colagem surrealista em movimento. Um palhaço aparece e logo se transforma em cavaleiro. Chapéus viram garrafas, flores se metamorfoseiam em animais, um rosto surge e logo desaparece. Nada parece seguir uma lógica realista — e essa é justamente a força da obra: mostrar que a animação podia libertar o cinema da obrigação de retratar a realidade.

Na época, os críticos o chamaram de “cartoon fantasmagórico”, justamente pela capacidade de criar imagens que lembravam sonhos ou até pesadelos.

O legado da obra

Fantasmagorie não teve a mesma repercussão imediata que as animações comerciais de décadas seguintes, mas é lembrado como o marco zero da animação. Sem Cohl, provavelmente Walt Disney, Max Fleischer, Tex Avery, os irmãos Warner e até mesmo os animadores japoneses teriam demorado muito mais para explorar o potencial artístico e narrativo desse meio.

A obra também ajudou a consolidar a ideia de que o cinema poderia ir além da captura da realidade. Enquanto os irmãos Lumière ficaram famosos por registrar o cotidiano — como a chegada de um trem à estação —, Cohl mostrou que o cinema também poderia ser pura invenção.

Por que ainda importa hoje?

Mais de 115 anos depois, Fantasmagorie continua sendo estudado em cursos de cinema e animação. Sua estética surreal e experimental lembra muito das animações independentes e até das aberturas psicodélicas de videoclipes modernos.

Para quem está acostumado a assistir às megaproduções da Pixar ou aos animes cheios de ação, ver Fantasmagorie pode parecer simples demais. Mas é justamente nessa simplicidade que reside seu charme: um filme feito apenas com papel, caneta e criatividade que inaugurou um gênero inteiro.

Como acontece com as HQs e os games, conhecer a origem da animação ajuda a entender o quanto essa forma de arte cresceu, se reinventou e conquistou fãs no mundo todo.

Onde assistir?

Hoje, Fantasmagorie está disponível em plataformas como o YouTube (ver acima) e em acervos digitais de cinema. São apenas dois minutos de duração — mas dois minutos que mudaram para sempre a história da cultura pop.

Curiosidade Nerd: alguns críticos afirmam que, embora Fantasmagorie seja reconhecido como o primeiro desenho animado, já havia experimentos anteriores de animação com bonecos e recortes, como o trabalho do argentino Quirino Cristiani e até mesmo tentativas de Thomas Edison nos EUA. No entanto, foi Émile Cohl quem realmente consolidou a animação desenhada quadro a quadro.

De Fantasmagorie a Cuphead: um legado vivo

A estética fluida e surreal de Fantasmagorie pode parecer distante do que vemos hoje, mas sua influência ainda ecoa. Basta lembrar do game Cuphead, que resgatou o estilo das animações antigas dos anos 1930 e fez sucesso mundial pela mistura de nostalgia e inovação.

Da mesma forma, séries como Adventure Time e até certos momentos de Rick and Morty exploram o absurdo e o surrealismo de forma muito próxima daquilo que Cohl propôs no início do século XX. E no Japão, alguns animes experimentais — como os trabalhos de Masaaki Yuasa (Mind Game, Ping Pong the Animation) — dialogam diretamente com essa liberdade criativa, transformando o absurdo em arte.

No fim das contas, Émile Cohl pode não ter imaginado que, mais de um século depois, seu pequeno filme continuaria inspirando artistas, animadores, gamers e nerds ao redor do mundo. Mas foi exatamente isso que aconteceu.




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